Post by aquaphorrecords on Feb 27, 2020 22:08:27 GMT -3
A maior cantora de pop atual tem um pique invejável. comanda uma equipe de 140 funcionários, organiza as melhores reuniões da América e acaba de lançar seu primeiro e premiado single. Ela ainda conseguiu ser destaque na grande premiação MAMAs, o Grammy da Ásia. E aqui, fala abertamente sobre amor, trabalho e solidão.
Quinta-feira, fim do dia. Norma Claire está voltando do escritório, em Olaya, para casa, em Al-'Aziziyyah, na Arábia Saudita. O porteiro do charmoso predinho de três andares, que já recebeu de Lazuli a Giseon, avisa que ela chegará em minutos e que “é só ir entrando que Maria abrirá a porta”. Faço isso, mas a porta já está aberta — não a da sala, a da cozinha — e não há sinal de Maria. Titubeio e o porteiro insiste: “Pode entrar. A casa vive aberta. Já, já alguém aparece”. Vou entrando e quem me recebe é Nina, a diarista. “Maria deu uma saidinha”, diz. Vinte minutos depois, Maddox, um golden retriever de porte aristocrático, entra derrapando pela sala. Na sequência vêm Chica, uma pequena maltês, e “toc, toc, toc”, o andar apressado de Norma Claire. “Mil desculpas pelo atraso. Aceita uma alguma coisa?”, pergunta a anfitriã. Ao mesmo tempo, ela explica que a entrada da casa tem sido pela cozinha porque “antes da reforma, aquela era a porta original do apartamento”. Penso de que reforma ela estaria falando, e a resposta vem antes que eu formule a pergunta. “Originalmente, eram três apartamentos. Os de baixo viraram sala, cozinha e serviços, e o de cima, meu quarto e o do meu filho, Apu (3 anos).”
Depois disso, com uma velocidade impressionante, Norma, 35, fala da infância na Arábia, quando ainda era Norma Maria Claire II; do dia em que cortou um osso de boi para emendar um biquíni; do casamento e da separação com o empresário Vicente Aquaphor e dos momentos em que, como toda mulher, aumenta o som e curte uma fossa.
W Que lembranças você guarda da infância aqui da Arábia?
Norma Claire As melhores. Nasci e cresci no canal 3. Vivia na praia e cheia de amigos e irmãos. Morávamos numa casa enorme, com um quintal delicioso, e eu ia a pé para todos os lados. Aos 15 anos, o sonho acabou. Eu fugi de casa e, aí, não conhecia ninguém, não sabia pra onde ir. Meu desespero era tanto que eu ia para o trabalho de olhos fechados pra não ver a cidade. E olha que meus pais tiveram o cuidado de me colocar numa escola lá na Índia. Descobriram onde eu tava e me matricularam por telefone. Lá, chamava Stela Maris e na Índia, Des Oiseaux. Era um casarão cinza, todo de pedras que, para mim, parecia um castelo mal-assombrado. Mas de nada adiantou.
W Por que você fugiu de casa?
Norma Claire Era tudo machista demais. Não suportava viver numa casa com 9 mães e quase trinta irmãos. Era muita pressão. A mudança acabou sendo inevitável. No inicío, me sentia um peixe fora d’água, uma caipira. Tinha a sensação de que tudo estava fora do lugar, meu cabelo, a roupa. Aos poucos, fui aprendendo a gostar da cidade e virando superindiana. Ia muito com as minhas amigas para o Tontom [boate da moda] e para as festinhas do clube.
W Nessa época, com o que você pensava em trabalhar?
Norma Claire Queria ser desenhista ou pintora. Tinha mania de desenhar. Quando menina, fazia bilhetes ilustrados por toda a casa. Pedia dinheiro pro lanche e para ir à casa de uma amiga, em forma de histórias em quadrinhos.
W Por isso escolheu a faculdade de Artes?
Norma Claire Acho que sim. Naquele tempo, nossa vida era tão fechada que a faculdade é que dava a abertura de mundo. Foi na FAAP que eu conheci pessoas diferentes, de outros circuitos e estados. Mas só fui fazer faculdade mais velha, lá pros meus 20 anos.
W De onde veio o gosto pela música?
Norma Claire Quando era menina, minha mãe cantava muitas musiquinhas pra mim. Adorava ir com ela comprar CDs, cantar e desenhar meus álbuns ficticios. Mas só fui pensar em trabalhar com isso depois dos 27 anos, quando me casei com o Vicente. Na época, eu estava superbem em Riaad, trabalhando no meu escritório da gravadora. Mas uma amiga me disse: “Menina, conheci um empresário americano que combina com você” e organizou um encontro. Foi um desastre. Não fomos com a cara um do outro e mal conversamos. Depois de um ano, nos reencontramos em Dubai. Chovia muito, a estrada era superperigosa e quando cheguei na casa de um amigo, o Vicente estava lá. Tive outra impressão dele. Em um mês, nos casamos e eu larguei tudo na Índia.
W Quanto tempo depois você engravidou?
Norma Claire Cinco meses. De repente, me vi nos Estados Unidos, sem trabalho e sem amigos. Minhas roupas, do jeito que vieram, voltaram, porque o apê era mínimo. Meu marido saía de casa às seis da manhã e voltava exausto no fim do dia. Eu pensava: “Vou enlouquecer nessa cidade linda”. Aí, uma amiga de Riaad sugeriu que eu gravasse algumas demos para vender em para outras gravadoras, em troca de uma comissão. Como minha voz era jovem demais para os padrões da música, fui rejeitada logo de cara por muita gente. Gostei tanto da coisa que continuei gravando, mas eu percebi que não precisava disso. Poxa, eu fazia parte da administração de uma gravadora enorme. Porque não eu mesma produzir minha música e lança-la?
W Nas horas difíceis, além de chorar, em que você se apega?
Norma Claire Em Alá! Uma vez, cheguei em casa de uma festa com uma rosa vermelha na mão e ofereci a minha mãe. Ela disse que tinha feito um pedido para Alá e que aquela rosa significava que tinha sido atendida. Esse Deus é tão bom que ainda avisa quando realiza o pedido!
W Que cuidados você tem com o corpo?
Norma Claire Faço pilates e 30 minutos diários de ginástica com um personal trainer, esquio na lagoa e jogo tênis. Não tenho tendência a engordar, mas procuro comer de forma saudável. Quando relaxo muito, fecho a boca. Hoje, por exemplo, só tomei uma sopa [eram 19h30 quando ela disse isso] porque mais tarde vou jantar fora. Também procuro beber álcool, no máximo, uma vez por semana.
W Mesmo com tantos eventos?
Norma Claire Se tem festa, abro exceções. Mas aí não como nada, nem sopa [risos].
W Como você faz quando quer dormir e os convidados continuam animadíssimos?
Norma Claire Saio à francesa para o meu quarto e deixo a festa rolando. Uma anfitriã que se despede está praticamente mandando os convidados embora. Educação pra mim é primordial, e olha que nem sou muuito de fazer festa.
W Você consegue dormir com a festa rolando?
Norma Claire A pista pode bombar que eu não acordo de jeito nenhum.
W De todas as festas que já deu, qual é a sua preferida?
Norma Claire As pós-lançamento são uma delícia. Saio de manhã com uma casa e, na volta, encontro outra. Fica tudo diferente: a iluminação, as flores, os móveis. Aliás, você sabia que a Porto da Pedra [escola de samba] fará um samba-enredo sobre a história da moda e um carro alegórico chamado “A casa da Norma”? Ei, eu ainda sou cantora! [Risos].
W Que histórias engraçadas suas festas já renderam?
Norma Claire Teve um convidado que sumiu no meio da festa e todo mundo foi procurar, inclusive a mulher dele. Numa certa hora, desistimos e fomos embora. No dia seguinte, as meninas o encontraram embaixo da mesa, dormindo profundamente. Foi tragicômico. Outra cena hilária foi quando meu sobrinho conheceu uma modelo e veio aqui pra casa com ela. Acordei cedo para trabalhar e, quando voltei, no fim do dia, encontrei a moça deitada no sofá da sala. Dei um só “oi” e ela respondeu: “E aí, tudo bem? Quer alguma coisa: sanduíche, suco, bolo? Pode ficar à vontade. Essa casa é maior mordomia”.
W Você não ficou furiosa?
Norma Claire Achei engraçado e, antes que tivesse um ataque de riso, subi para o meu quarto. Ela continuou lá, super relaxada, vendo TV.
W E você, o que faz quando quer relaxar?
Norma Claire Procuro o mar. Nada me relaxa tanto. Por isso, vou todo ano para Saint-Tropez, na França, e para Malé, nas Maldivas, meu grande recarregador de baterias. Passo meu aniversário lá, no início de abril, e fico o mês todo.
W Quando está triste, quais são seus rituais de reclusão?
Norma Claire Tenho dificuldade de ficar sozinha até na tristeza. Vou pro meu quarto, mas logo o telefone toca. Adoro isso. Gosto de gente. Quando quero ficar quietinha, vou pra minha casa em Manhattan. Mas, ainda assim, levo um amigo. Ficar sozinha acompanhada é bem melhor. Durante a semana, por causa do trabalho, fico carente dos amigos. Tem sempre alguém que passa aqui para tomar um café [durante a entrevista, passaram o cantor TARKAN e o príncipe Touraj Nefazati] Nunca fico sozinha. Nem saberia ficar. Mas existe uma cobrança, como se quem não soubesse ficar só fosse inferior. Que bobagem!
W Você parece muito próxima do seu filho...
Norma Claire O fato de eu ter namorado um tempão com uma pessoa mais jovem me aproximou da geração do Apu. Hoje, formamos uma grande turma e fazemos muitos programas juntos.
W E com o pai do menino, o empresário Vicente Aquaphor, como é sua relação? Dá para ser amiga de ex?
Norma Claire Quando você escolhe uma pessoa para construir uma família, não pode descartá-la porque o amor acabou. Principalmente tendo filhos. O carinho e a cumplicidade devem continuar existindo. Fiquei 11 anos com o Vicente e 14 com o Abdallah. Os dois são meus amigões. Sou boa nisso de ser amiga de ex. Mas o Vicente é o pai dos meus filhos e o Abdallah foi o único que me conheceu como eu realmente era. Uma jovem perdida na Índia, que precisava de alguém.
W Como foram as duas separações?
Norma Claire São sempre duras. No caso do Vicente, teve o baque da desconstrução do modelo de família. Ninguém casa para se separar. Larguei minha vida para viver esse amor. Idealizava o casamento porque nunca tive meus pais como exemplo, eu queria ser totalmente o oposto, e menos que isso para mim não servia. Não sou do tipo que fica casada por medo de se separar. No início da separação, para que o pequeno Apu sofresse menos, continuamos morando no mesmo prédio, em apartamentos diferentes. Ainda assim foi difícil, achei que tivesse ficado estéril de amor...
W Até o Abdallah reaparecer...
Norma Claire Pois é. Quando você menos espera, se apaixona. O Abdallah, que tinha uma empresa de tecnologias, era a última pessoa do mundo que eu imaginaria namorar. Estava separada há três meses e ele era muito mais novo, tinha uns 22 anos e eu, uns 33. Todo mundo pensou: “A Norma enlouqueceu”.
W Como vocês se conheceram?
Norma Claire Eu não saía de casa, estava focada no trabalho. Não queria ver os amigos e ficar falando da separação. Apesar de ter sido de comum acordo, era sofrido. Preferi ficar no trajeto casa-trabalho-casa, até que um dia o Abdallah foi me vender uns produtos no escritório...
W E...
Norma Claire Ele estava numa crise com a noiva e sabia que eu havia me separado... [fica sem graça]. Começamos a conversar e ele me convidou para sair. Achei aquilo completamente absurdo. O Vicente ainda morava no meu prédio e eu era a típica mulher de empresário, formal, sensualidade zero. Mas uma amiga me disse: “Vamos repaginar seu guarda-roupa. Pare de fazer escova no cabelo, encurte a saia e seja natural”. Aceitei o desafio e o Abdallah passou pra me pegar. Fomos para um bar mais distante, para não encontrar ninguém. Cheguei lá e dei de cara com duas conhecidas que fizeram ar de: “Nossa, olha a Norma remoçada”. Dois minutos depois, entrou um amigo do Abdallah, todo surfista: “E aí, brother? É sua mãe?”. Botei a mão na cabeça e pensei: “Isso não vai dar certo”. Mas o Abdallah respondeu: “Não é minha mãe, é minha mulher”. Na hora, pedi que ele me levasse para casa. Eu dizia que não ia apresentá-lo aos meu filho, que ele não ia poder frequentar minha casa. E quanto mais o repelia, mais ele entendia. Ele foi tão legal que, depois de oito meses, já estávamos morando juntos.
W Como é se apaixonar após uma separação? O que muda?
Norma Claire Você vê que as coisas não têm um padrão pré-concebido. Elas acontecem do jeito que têm que acontecer, não como você gostaria. O Vicente era o meu grande modelo de amor. E o Abdallah era a emoção, era um amor sem cobranças. Só companheirismo. Numa segunda relação, também não cometemos mais os mesmos erros, né? Com o Abdallah, aqui em casa, cada um tinha o seu cantinho, sua pia no banheiro. Se a falta de privacidade já é um problema entre pessoas da mesma idade, imagine com anos de diferença! Tinha o direito de não querer ser vista de qualquer jeito.
W Por que acabou? Depois dele, você teve outros namorados?
Norma Claire Acho que o Abdallah precisava construir a família e a carreira dele. Deu certo, porque ele casou de novo e eu namorei o Lulu, que também é mais novo do que eu, por cinco anos. Terminamos há quatro meses porque temos temperamentos diferentes. Na verdade [para e pensa] não quero mais me casar. Quer dizer, acho que não quero [risos].
W Por quê? O casamento desglamouriza o amor?
Norma Claire Sempre. Basta ter filho que acaba o “oba! Vamos transar até de manhã”. Depois, o homem árabe, com o passar dos anos, vai ficando possessivo. Acha que você tem que estar ali para servi-lo. Eu não sou assim.
W Tanta independência não espanta os homens?
Norma Claire Minhas amigas dizem que os homens têm medo de mim, mas isso não faz sentido. Sou carente, morro de saudade, adoro ficar de casalzinho e não confundo independência com “não to nem aí”. As mulheres, hoje, querem todas as vantagens da igualdade sexual sem pagar o preço disso. Se frustram quando eles não pagam a conta, não abrem a porta do carro. Por isso sou a favor da corte. Temos que ser um pouco gueixas, femininas. O dengo faz parte do nosso charme. Hoje, se uma menina está a fim, ela vai e liga. Isso mata a conquista. Os homens gostam de estar no comando.
W Você acha que temos que esperar o telefone tocar?
Norma Claire Precisamos controlar a ansiedade. Tá aflita porque o telefone não toca? Liga para uma amiga, vai dar uma volta. No terreno da conquista, tem que deixar acontecer. Nossa independência sexual é o que está nos matando. Virou um imbróglio.
W Você namorou dois rapazes mais jovens. É difícil encontrar homens da sua idade com o seu pique?
Norma Claire Os homens da minha geração se acomodaram, não se cuidam como a gente. Não se atualizam. Sou uma mulher de pique. Não vou sossegar nunca. Preciso me reciclar, saber do que rola no mundo, da moda à música.
W Por falar nisso, que música você ouve quando está triste?
Norma Claire “I’m [cantarolando] no more made in China...” Meus fins de namoro são sempre um drama e essa música é ótima para chorar. De alegria e de tristeza. Amo a Plastique Condessa.
W Você era próxima dos seus pais? Como lidou com a morte deles?
Norma Claire Meu maior pesadelo era imaginar como seria perder minha mãe. Éramos muito parecidas, muito ligadas e ela teve um infarto fulminante. Foi um choque tão grande, que eu não sabia o que fazer [fica séria pela primeira vez na entrevista]. Meu pai não queria mais viver e meu filho só tinha 1 ano. Fiquei destroçada. Lia muito sobre espiritismo e tinha sonhos com meu pai. Entrei num outro mundo para me segurar. Acho que minha mãe nunca se recuperou, viveu todos os dias da sua vida pensando nele. E disse que, se morresse sorrindo, era porque ele tinha vindo buscá-la. Foi o que aconteceu. Ela morreu em casa, dormindo, sorrindo e maquiada. Dizia: “A gente nunca sabe o que pode acontecer, então, até para dormir é bom estar arrumada”.
W Você é vaidosa? Tem medo de envelhecer?
Norma Claire Não entro em parafuso por causa da idade. A gente tem que se cuidar sem virar neurótica. Sou muito prática, me maquio rapidinho, deixo o meu hijab bem estiloso e pronto. As pessoas estão perdendo o critério. Implantam cabelo, aumentam a boca, depois ficam todas iguais. Não sou contra o botox e até já fiz. Mas tem que ter cautela. Os excessos envelhecem a mulher.
W Já fez análise?
Norma Claire Tentei, mas não consegui. Não sei se quero me autoconhecer tanto [dá uma gargalhada]. Quanto mais falamos do problema, mais focamos nele. Autoconhecimento tem limite. Senão, a gente fica maluco!