Post by aquaphorrecords on Apr 7, 2020 23:41:43 GMT -3
Norma Claire: “Quanto pior sua infância, melhor sua arte”
A maior artista performática da atualidade usa há 36 anos o seu corpo como forma de expressão máxima. Já fez coreografias impossíveis, já quebrou as leis da física em algumas de suas performances musicais. Essa é sua arte. Aqui, ela fala da vida, do amor e da pesquisa sobre espiritualidade que inicia este mês.
Norma Claire frequentemente se declara a “velhinha das performances modernas na atualidade”. Só que, de velhinha, ela não tem nada. Aos 36 anos (e com pele de 20), costuma vestir-se de com tons neutros e sempre elegante com seu confortável hijab. Mas, desta vez, aparece diferente: de camisa creme e calça laranja, com os fios presos num coque, esconde-se do sol numa villa do Lido, em Veneza, embaixo de uma pequena árvore. Hiperativa, foi à cidade¬ italiana por duas razões: participar do photoshoot pro seu contrato com a empresa de cosméticos M.A.C e divulgar o seu novo lançamento, o single-album Make me Believe, que será divulgado e performado no Rio de Janeiro este mês. Depois disso, a artista vem ao Brasil pela primeira vez no final de Abril para não apenas divulgar, mas também dar continuidade a pesquisas sobre experiências espirituais para uma forma de aprimoramento pessoal.
Suas entrevistas quase sempre começam com a discussão do que passou pela sua carreira e passa pelos momentos mais importantes da biografia da artista, principalmente a infância complicada¬. Nascida em Riaad, Arábia Saudita, Norma é filha de Mohammed bin Rashid Al Maktoum e Danica Rashid, políticos que, durante a crise e início da guerra no Oriente Médio, lutaram contra o governo americano. Em casa, a disciplina era inexistente: a mãe tentou criar Norma e seus outros nove irmãos à base de tapas na cara e toques de recolher às 22h, com pouco amor restando e liberdade demais para a idade. Só em 2000, quando já tinha 16 anos, a artista se libertou ao mudar para Índia, onde conheceu o magnata e empresário Vicente Aquaphor, seu parceiro empresarial e com quem esteve casada por 12 anos. Os dois produziram e conquistara, grandes feitos juntos, até se separarem – de maneira adulta e pacífica –, a três anos atrás, pouco antes de Norma enfim ter seu primeiro e único filho, Apu Rashid-Aquaphor.
"Meu pai nunca me beijou na vida. Ele
arruinou minha estrutura emocional”
Vogue Você declarou que falar de seu pai nas diversas entrevistas que participou vem sendo a coisa mais difícil da sua carreira. Por quê?
Norma Claire As perguntas sempre acertam em cheio, sempre conseguem definir meu pai nos mínimos detalhes da personalidade dele. Sempre me perguntam como era a postura dele, me perguntam sobre as ordens que ele me dava e os tapas na cara¬. Era exatamente assim. Minha infância foi difícil, muito controlada. Um exemplo: minha mãe ia ao meu quarto, para ver se minha cama estava bagunçada, enquanto eu estava dormindo. E me acordava para arrumar se estivesse. Hoje, se vou a um hotel, os funcionários acham que não durmo lá, porque a cama, de manhã, está em perfeito estado. Ela não me aceitava como eu era, muito menos meu pai, e olha que eu era a filha mais tranquila. Só quando ele morreu (em 2007) me senti liberada. Li seus diários e fiquei deprimida. Se tivesse lido quando ele era vivo, o teria compreendido melhor. O mesmo com minha mãe. Eles eram incrivelmente feridos e solitários. Para se defender, construiram essa persona gelada. Em toda minha vida, nunca me beijaram. Uma vez perguntei por quê pra minha mãe e ela ficou surpresa com a pergunta. Disse que era para não me estragar. Não entendia que fazia exatamente o oposto: arruinou minha estrutura emocional para quase sempre (risos). Por isso,¬ reviver todas aquelas lembranças de infância e compartilhá-las com o mundo foi doloroso. E, ao mesmo tempo, libertador. É melhor que qualquer terapia. Meu ex-marido e meu filho, eles sim foram capaz de me curar.
Vogue O que sua mãe achava de sua arte e empreendorismo?
Norma Claire Quando fui limpar a casa dela, depois que ela morreu, achei todos os livros sobre o meu trabalho. Ela arrancava as páginas com as fotos em que eu aparecia segurando meu diploma. Sobravam poucas folhas, só as que poderia mostrar para os vizinhos. Ela era muito conservadora. Eu era uma ameaça. Quando comecei no mundo musical, meus pais se perguntaram o que estava acontecendo. Produzir uma música do zero já era difícil naquela época, principalmente sendo mulher. Mas me deu coragem. Depois de me mudar para Índia, não sabia o que fazer lá, tudo era livre. Ninguém se importava se eu estava na liderança de uma empresa ou morar sozinha com menos de dezoito anos. Tive que criar novas regras para poder quebrar.
Vogue Sua infância foi preponderante na arte?
Norma Claire Como eu digo: “Quanto pior sua infância, melhor sua arte”.
"Queria ter sido capaz de ser feliz
no amor. Mas não fui”
Vogue Você tem algo de que se arrependa na vida?
Norma Claire Queria ter sido capaz de ser feliz no amor. Não fui. Tive relacionamentos por 12 anos, e eles foram embora. Os dois eram empresários, por isso, disse que nunca mais ia me relacionar com um. Um astronauta seria o ideal (risos). Ele sempre está no espaço, mas você sabe onde ele está e pode continuar fazendo seu trabalho na Terra. Ok, isso foi abusivo (risos)?
Vogue Como se mantém jovem?
Norma Claire É o maquiador. Ontem eu tinha 36 anos, hoje, 26 (risos). Tenho trabalhado como louca, passo horas em aviões. Não tenho tempo de envelhecer, porque no avião o tempo é mais curto. Minha avó viveu até os 103 anos, e a mãe dela até 116, então ainda vou durar, eu espero. Não fiz plástica no rosto. Se você está pensando isso, errou. Mas também não bebo, porque tenho dores de cabeça e por causa da minha religião¬. Sou uma grande consumidora de iogurte e leite. Não fumo. Não acredito em drogas e me trato com medicina natural, digamos que quase indígena.
Vogue Tem gente que diz que fazer sexo também ajuda...
Norma Claire Sexo é uma boa coisa. Eu gosto (risos). Ando procurando ter mais sexo (risos). Não é fácil, porque acredito no amor. Essa, aliás, é minha maior frustração. Acredito, mas não fui capaz de ser feliz no amor. Conheci o Vicente no dia do nosso aniversário – nascemos no mesmo dia. Ele me disse: “É meu aniversário”. Pedi para ver seu documento. Ele não tinha, mas mostrou sua agenda. Eu não acreditei¬, porque o dia do aniversário, 30 de novembro, não estava lá. E a primeira coisa que eu faço quando compro uma agenda todo ano é arrancar essa página do aniversário. Nós nos apaixonamos na mesma noite. Foi uma grande história de amor, achava que ia ser para sempre. Vivíamos juntos e trabalhávamos juntos. O problema era o público que nunca olhou nosso trabalho como um só. Sempre diziam: “Ah, ele é a mais forte, é um magnata”. E vocês, jornalistas, nunca punham o meu nome no jornal. Mataram meu relacionamento, porque eu comecei a sofrer com isso e ele também, sempre se culpando e finalmente querendo me dar voz, a luz que eu precisava pra chegar onde cheguei hoje. Devo muito a ele.
Vogue Quando você e Vicente se separaram, em 2017, decidiram que você teria posse da sua atual empresa, a Aquaphor Records, essa que ele era dono e abriu mão. Por quê?
Norma Claire Essa era uma coisa que ele queria fazer antes da separação, depois de toda a pressão da mídia. A empresa estava quase quebrando, ele passava por dificuldades psicológicas seríssimas. Esperamos muitos anos pro governo resolver toda essa papelada e, quando finalmente conseguimos, nosso casamento já estava no fim. Mesmo assim, decidimos fazer deixar a empresa no meu nome e usar isso como uma forma de dizer adeus. Nos encontramos no meu atual escritório, assinamos a transferência e o divórcio, um papel atrás do outro. Eu o abracei e chorei, chorei muito. Foi o momento mais difícil da minha vida profissional e pessoal.
Vogue Há diferenças entre o ramo empresarial dos homens e das mulheres?
Norma Claire Sempre perguntei por que havia tantos homens no mundo¬ dos negócios e menos mulheres. E a verdade é que as mulheres são menos dispostas a se sacrificar. As mulheres querem tudo: trabalho, marido, amor pela vida inteira, filhos, tudo isso. Você só tem uma vida! E a única energia que tem no seu corpo é sexual. A questão é como transformar sua energia sexual em energia criativa. É preciso envolver cada molécula, não pode fazer pela metade. Vemos mulheres com grandes carreiras, que vão por água abaixo quando têm filhos. Para os homens, isso não importa. E é triste, triste mesmo. Mulheres, se arrisquem, se joguem! Não deixem sua vida parar.
Vogue Sacrificou a maternidade por causa da arte?
Norma Claire Não. Eu já tenho um filho, um filho lindo. Nunca fui maternal, mas meu casamento com Vicente me despertou esse desejo e eu nunca estive tão orgulhosa de uma decisão na minha vida. E mesmo assim, a arte é tão importante para mim... Fiz minha primeira “coisa” semelhante a música aos 12 anos, quando brinquei num teclado de uma amiga minha. Eu não queria outra coisa. Adoraria ter amor verdadeiro. Mas o meu problema é que os homens que me amam sempre querem me ofuscar. Provavelmente agora, que chegyeu em meu ápice, talvez o meu crescimento não impeça o dele e o dele não impeça o meu. É como em La La Land. Mas os homens, a grande maioria deles... Eles não suportam uma mulher que tem opinião e poder. Isso os mata. É terrível. A mulher precisa saber que, se a carreira vem em primeiro lugar, os homens não aguentam.
Vogue Qual foi o momento em que foi mais feliz?
Norma Claire O momento mais feliz da minha vida foi quando visitei uma aldeia indígena na Australia, com o Vicente. Vivíamos em duas tribos diferentes, ele com os homens, eu com as mulheres. Nos encontrávamos nas noites de Lua Cheia, como os homens e mulheres da tribo, fazíamos amor como loucos e nos separávamos de novo. Durante esse mês sabático, vivi sem dinheiro, a base de peixes, lagartos. Só o que importava era o nascer e o pôr do sol. Sentava com as mulheres ao redor da fogueira, elas estavam em silêncio, mas conversavam com minha mente. Era incrível. Acordava de manhã e apenas ficava feliz de estar viva.
Vogue Por que foi embora, então?
Norma Claire É uma boa pergunta. Ficamos lá por um mês. Sempre senti que tinha uma missão com a minha arte. E transmito cada experiência, cada aprendizado para o público. Quando fui pra Ásia e visitei a China, fui aprender com a vida dos monges, a meditar e a me concentrar. Nunca estive no Brasil, mas quando eu for daqui a duas semanas, quero conhecer algumas das culturas espirituais que eu pesquisei, porque o xamanismo é uma coisa incrível. Veja: eu trabalho com duas formas de arte: a arte material, na qual eu canto, e a arte imaterial. Não há nada para tocar. É só energia. Não aprendemos sobre energia na nossa cultura ocidental, com nossas tecnologias... Esses povos sabem. Então, minha função como artista é ir lá, pegar essa informação e difundir. Eu juro que não fumo maconha (risos).
Vogue Como vai ser seu projeto sobre espiritualidade no Brasil?
Norma Claire O Brasil é muito importante para mim. Uma das melhores pessoas que já conheci veio de lá e me explicou detalhe por detalhe. Consegui imaginar a Amazônia, imaginar a beleza de Belo Horizonte, a beleza de Belém e principalmente a do belíssimo Rio de Janeiro. Desde então, como busco me explorar mais nessas coisas espirituais, ando visitando lugares meio inacessíveis, e o Brasil será o próximo da lista. Visitarei as minas, os lugares aonde os brasileiros provavelmente não vão. E agora, sabendo da minha ida por causa do Rock in Rio, me chamaram para fazer um grande projeto para a Copa do Mundo. Estou interessada nisso, e o Brasil é incrível.
Vogue O que gostaria de fazer antes de morrer?
Norma Claire Penso muito no último estágio da minha vida, em legado. Aprendi tanto crescendo como mulher muçulmana que queria dar a jovens meninas e futuras artistas um pouco da minha experiência. É o que quero fazer. Parece um discurso de quem vai morrer daqui a pouco (risos).
Vogue O que aprendeu sobre si mesma em tantos anos de aprendizado e crescimento?
Norma Claire Muito. Quando achei meu diário, de quando tinha 17 anos, vi que era a mesma pessoa frágil e infantil de antes! Emocionalmente, ainda sou a mesma criança. No começo de um trabalho, você não entende nada, não sabe de onde vem, mas tem essa urgência de fazer. Muito mais tarde, consegue compreender. A mais importante pergunta é: por que sou artista, por que me arrisquei, por que estou aqui?
Vogue E por quê?
Norma Claire Vou contar uma história. Recebi uma ligação de um escritor de ficção científica, Kim Stanley Robinson (autor da premiada série Mars Trilogy), quando estava em Los Angeles, esse ano mesmo. Fui almoçar com ele, que colocou na mesa seu livro, chamado 2312, e disse: “Você é uma das personagens, faz com que as pessoas reflitam em asteroides, em Mercúrio, antigravitacionais”. Eu perguntei: “Por que eu?”. Ele respondeu: “Porque a energia que você produz e passa é tão imaterial que é bom para viagens intergalácticas!” (risos). Depois disso, fui conhecer alguns xamãs. Conheci uma mulher, um oráculo que diz seu passado, presente e futuro. Ela usa pedras de meteoritos e me disse: “Você nunca se sente em casa em nenhum lugar”. O que é verdade. E aí ela completa: “Seu DNA é galáctico. Você foi mandada a esse planeta com a missão de ajudar os humanos a transcender a dor”. Faz sentido para mim. Mas por enquanto, ser cantora basta (risos).