Post by aquaphorrecords on Jun 1, 2020 0:43:08 GMT -3
Em entrevista exclusiva a Marie Claire um dia após participar das manifestações a favor de George Floyd e suas indicação no Empire Visual Awards, a novata cantora e muçulmana Norma Claire fala sobre seu papel no cenário musical e social atual, ao lado de outros militantes, e da participação feminina em causas sociais.
Ao lado de um grande homem sempre existe uma grande (e forte!) mulher. Adaptamos o antigo clichê (sexista e distante da realidade atual) porque, depois de crescer incrivelmente em sua carreira de cantora, empresária e produtora, é impossível dizer que a trajetória do antigo dono da grande Aquaphor Records seria a mesma, nos últimos anos, sem a presença de sua ex-exposa e amiga, Norma Claire.
A produtora musical de 38 anos mostrou jeito para a o meio empresarial. Tinha e ainda tem agenda, assessoria de imprensa, motorista e até segurança próprios. Norma Claire, que também é empresária profissional no ramo da tecnologia, fechando com empresas grandes como Amazon e Tesla, já ocupou o cargo de recepcionista, logo secretária, logo analista, logo gerente, e quando menos imaginou, dona. Conheceu Vicente no clube Arkangel, em Nova York, no verão de 2006. Começaram a namorar quando ela tinha 20 e ele, 23. Pouco menos de dois anos, já estavam casados. Da união, que durou 14 anos, nasceu o pequeno e inteligente Apu, de apenas 3 anos. Depois da grande exposição que o casal teve ao agenciar artistas de alcance mundial, como Lazuli, o intuito de Norma Claire era até então se dedicar ao filho e não se expor. Mas em entrevista a Marie Claire, ela nos diz o quanto isso é inconveniente nos dias de hoje.
Ela também se mostra discreta quando o assunto é vida profissional. Mas, e a performance e a leva de prêmios que recebeu com seu primeiro single no MAMAs, premiação asiática? “Quando você olha no jornal, parece que foi algo de outra dimensão”, afirma. “Na verdade, até que foi um pouco”. Se ficou envergonhada? “Ah, talvez um pouco, não sei”, diz, baixando os olhos. Ficou, sim.
Ao que tudo indica, Norma Claire está pronta pra ser mais do que uma cantora pop que deu sorte, mais que uma perfeita plastificada. Está mais para seguir os mesmos passos de mulheres importantes como a americana Williams ou a japonesa Reiko, uma das artistas orientais mais aclamadas do mundo. Ainda no início da carreira, quando perguntada como seriam suas ações no papel de imagem pública em que ela estava posta, ela brincou. “Quem sabe começamos pelo começo, né?”. No primeiro dia em que acordou como a cantora pop mais comentada de seu país – a qual traz uma carga enorme logo atrás-, a resposta já se torna mais cautelosa. “Acho que ele (o papel de representatividade) vem carregado de alguns significados. De repente, a gente não precisa mudar de personalidade totalmente, mas repaginar esse conceito de estrela sensata dona da razão. Estamos vivendo uma realidade que nos convida a outro tipo de visão e atuação”.
Norma Claire recebeu a revista Marie Claire em sua sala de estar em sua mansão em Riaad, na Arábia Saudita, logo após seu primeiro compromisso em administrar o desempenho das divulgações de seu primeiro e mais novo álbum, Someone I Want to Love. Aparentava estar cansada – ela voltou de viagem recentemente, quando ficou presa por duas semanas no Rio de Janeiro por conta da pandemia do Coronavírus. Esperou tudo se ajeitar até que o primeiro vôo a deixasse voltar pra casa e ver seu filho de novo. Elegante em uma saia lápis na cor cru, camisa e escarpins, Norma Claire quer fugir de qualquer estereótipo. “Minha preocupação não passa por construir um modelo e segui-lo. Ao contrário. Quando a gente se permite se colocar como somos, dá permissão para que todos façam isso”. Veja agora os principais pontos da entrevista.
SER NOVATA NO MERCADO MUSICAL
Quais são os projetos a partir de agora que lançou seu álbum debut? "Durante a produção do álbum, tive que tirar uma licença lá da empresa, pausar tudo ao meu redor por um tempo. A primeira coisa que vou fazer é reorganizar meu espaço porque esse lado, para mim, tá uma confusão. Não sou uma pessoa organizada, mas devo ser. Tem a ver com a minha identidade porque me realizo muito no meu trabalho e disso não abro mão. Na reta final do meu álbum, enfim consegui dar a devida atenção aos artistas que estou agenciado e juntos fizemos um trabalho lindo, divertido, e tão melhor que o meu. Vou voltar a trabalhar nisso agora para não perder tempo, e quem sabe no meu segundo álbum. Pretendo também, de alguma maneira que ainda não sei, estar engajada e participativa nesse processo de melhorar a indústria da música por si só e trazer mais diversidade e menos do que estamos acostumados a ver”.
A MILITANCIA A FAVOR DE GEORGE FLOYD E VÍTIMAS DA BRUTALIDADE POLICIAL CONTRA O POVO NEGRO
As primeiras palavras do discurso que fiz essa manhã junto com o povo americano em Nova York foram em agradecimento à todos ali presentes. Guerreiros, batalhadores. Pessoas cansadas que cansaram de sofrer em um sistema opressor e humilhante. “O discurso todo foi emocionante. Eu falei em árabe, mas traduziram tudo que eu disse. Naquele momento, muito do que representou essa busca de chegar ao reconhecimento, de estar a frente e protestando em um dos países mais injustos do mundo. Isso nos emocionou. Claro que isso já é uma luta antiga e que está sendo necessário tomar atitudes até mesmo consideradas “radicais” — não por mim, mas foi a emoção do protesto, sonhamos juntos com isso e deu certo. Estamos quase lá. Pela primeira vez desde Marthin Luther King, alguém está nos ouvindo e as coisas vão mudar!”
OS PRÊMIOS NO MAMAs E PERFORMANCE ICÔNICA
“A mídia consegue eternizar com as imagens algo rápido. Quando você olha nas revistas, parece que foi algo de outra dimensão. A imagem mostra uma dimensão da coisa e, na verdade, realmente foi um pouco. Não é como se fosse o Superbowl, mas foi importante pra minha formação como artista.”.
A MULHER MODERNA
“Arrumamos tanta coisa para a gente, né? (risos) É uma grande luta e ainda precisamos avançar um pouco. Talvez as gerações mais novas estejam mais avançadas no sentido de maior compartilhamento porque, para a mulher administrar tudo que assumiu fora de casa, é preciso criar um reequilíbrio das tarefas e das exigências, sem virar uma mulher só de tarefas. Também gosto de viver, e ainda me permito a isso”.
ABORTO, A POLÊMICA
“A pergunta de ser contra ou a favor não contribui para enfrentar esse tema da forma como é preciso enfrentar. Vivemos em uma sociedade que precisa olhar para muitas questões, como a estrutura familiar e social em que vivemos, e as situações de vulnerabilidade social que se produzem. O dia em que a sociedade criar as condições ideais, tivermos famílias estruturadas e com condições socioeconômicas dignas, oportunidades de educação social e de planejamento familiar, poderemos discutir essa questão de uma outra maneira. Acho que a gente tem tantas outras questões a serem enfrentadas que fazer essa pergunta não contribui. Precisamos, antes de tudo, proteger as pessoas que se encontram em uma situação vulnerável. E veja só? As pessoas nessa posição são justamente as que abortam e morrem”.
TRÁFICO DE PESSOAS
“Não dá para ter duas opiniões diferentes sobre esse assunto. É uma coisa que precisamos tentar informar ao máximo e coibir dentro da legislação vigente. Se ela não estiver totalmente segura para proteger as mulheres, crianças e negros, temos que tratar disso para evitar, ao máximo, que alguém possa ser colocado em uma situação como essa”.
ENGAJAMENTO NA DIVULGAÇÃO DO ÁLBUM
“O engajamento não começa no lançamento do álbum. Sempre tive um equilíbrio entre a participação na divulgação dos singles e na produção do restante do álbum, sem dizer que eu precisava estar totalmente alerta e disposta a ir em qualquer entrevista que me convidassem. Mas não são momentos fáceis, houveram momentos de tomar as decisões profissionais pensando na vida pessoal e familiar e, também, na sua vida particular”, afirma Norma Claire. “Não acho que eu tenha feito um impacto realmente significativo na indústria ainda, de fato, mas acredito que a oportunidade de atuar em um espaço público e a participação feminina trazem mensagens importantes. Vivemos um momento interessante no mundo em que as artistas no topo das paradas são mulheres. Acho que ocupar esses espaços de participação é muito importante. O olhar feminino é diferenciado e agrega valor”, diz.
A MULHER ÁRABE NO CENÁRIO MUSICAL
“A participação feminina traz uma série de questões do ponto de vista da sensibilidade e de um olhar diferente, principalmente quando você tem um hijab na cabeça. O fato de ser mãe influi na forma como pensamos, conduzimos e fazemos escolhas. A mulher é mais detalhista. Não acho que exista um olhar superior ao do outro, mas, sim, complementar”.
MAIOR SONHO
“Acho que, do ponto de vista feminino, é claro que a mulher quer se realizar profissionalmente, que a maternidade também é algo que nos realiza, mas, acima de tudo, a questão afetiva, seja lá da forma que for, está no constitutivo do nosso ser e é uma coisa importante na vida da gente. Acho que precisamos estar emocionalmente envolvidas e sentir que isso nos completa de alguma forma”.
RECADO ÀS LEITORAS DE MARIE CLAIRE
“A gente precisa sempre acreditar na força e no nosso valor. Vamos crescer cada vez mais. O limite é o céu!”.